Quinta-feira, 6 de Setembro de 2007

Perante a duvida… continuar a caminhar

«Tu és, eu sei, a pessoa mais incapaz – fraca e pecadora – mas exactamente por seres assim quero usar-te para a Minha Glória. Recusarias?»

 

Apesar de no interior de alguns sectores da Igreja Católica já se saber à muito da longa “noite escura” da Madre Teresa de Calcutá, só agora passados dez anos da sua morte chegou ao conhecimento geral essa sua longa etapa de busca incessante de Deus na sua vida. Algumas vozes mais cépticas e certamente desconhecedoras do que é uma luta interior em busca de Cristo na nossa vida, levantaram-se logo a questionar a santidade daquela mulher que dedicou a sua vida de uma forma incompreensível ao serviço dos mais pobres e necessitados.

Antes de mais parece-me oportuno fazer uma explicação do que se entende por “noite escura”. Por “noite escura” não se entende um momento de dúvida de fé, nem um momento onde se põe em causa a existência de Deus. Por “noite escura” entende um período, em que o cristão orante não sente a acção de Deus na sua oração, ou seja, o cristão reza e ora quotidianamente e incessantemente a Deus, porém e perante essa oração sente simplesmente o silêncio de Deus. Para quem não está imbuído do espírito cristão pode-se tornar difícil perceber este fenómeno, mas para quem vive quotidianamente da oração sabe o quanto custa sentir o silencio de Deus depois de um longo período de oração e reflexão não há nenhuma dificuldade de compreensão deste fenómeno. Não existe um período fixo em que o crente se encontra na “noite escura”. Esse período vária conforme a sua relação com Deus. Esse período é normalmente caracterizado por uma grande aridez na vida e, sobretudo, na oração, levando muitas vezes o cristão a questionasse se valerá a pena continuar a sua obra e se não se terá enganado a respeito dos desígnios de Deus para a sua vida. No entanto, volto a referir, um cristão que vive um período de noite escura, apesar dessas dúvidas nunca coloca a existência de Deus em causa, mas coloca em causa a relação de Deus consigo e o papel que Ele tem na sua vida.

Perante isto pode-se perguntar: Será normal uma mulher que lançou uma obra que fez desinstalar meio mundo incluído a própria igreja Católica, caminhar com a ausência daquele que lhe motivou a criação dessa obra? È possível, e na minha opinião parece-me até que seja a normal, já que, Madre Teresa provavelmente foi uma das cristãs mais conscientes do sec. XX, e a prova-lo estão os seus escritos agora publicados em livro.

Em primeiro lugar, qualquer ser Humano e sobretudo um cristão perante a pobreza do próximo questiona-se sobre a realidade de Deus no mundo. Isso porque, ao contrário do que alguns possam pensar, a doutrina cristã nunca defendeu a pobreza física do ser Humano, mas sim a pobreza de espírito, ou seja a pobreza perante o criador do mundo e perante o seu Filho Redentor Jesus Cristo. Sendo assim, é normal que a Madre Teresa sentisse um enorme vazio interior perante toda a pobreza que encontrava. Será que Jesus me abandonou? Será que Jesus nos abandonou? Será que Deus abandonou o mundo? Perguntas muito normais em qualquer cristão, que sabe que o ideal cristão nos impele em ir ao encontro de Deus através do mais pobre.

Em segundo lugar, e sem estar perfeitamente por dentro da vida e obra da Madre Teresa, parece-me que ela era sem duvida uma cristã muito exigente consigo própria e com aqueles que a seguiam. A prova-lo esta toda a estrutura e carisma da congregação que ela fundou, as Missionárias da Caridade. As Missionárias da Caridade são provavelmente uma das congregações da igreja católica mais exigentes consigo próprias. Elas não se limitam a viver para os pobres, mas vivem com os pobres e como os pobres e abandonados a que prestam serviço. Esta enorme exigência e coerência de Fé é própria dos santos que tiveram longos períodos de “noite escura”. A começar logo pelo santo que introduziu o termo, São João da Cruz. São João da Cruz era tão exigente e coerente com a sua Vida Cristã que reformou uma das mais antigas ordens da Igreja Católica, a ordem Carmelita. A seu lado nessa reforma também teve uma Santa que passou por um longo período de “noite escura”. Santa Teresa de Ávila, outra mulher que mexeu, desinstalou e reformou o Carmelo, perante a exigência de Vida Cristã que sentia no seu interior mais profundo.

Porém, fora da ordem carmelita também existiram muitos Santos que passaram por períodos de “noite escura” e que levaram a cabo obras que se perpetuam no interior da Igreja. Primeiramente, são Francisco de Assis, muito tempo antes do já referido São João da Cruz tem “descoberto” o termo, ou por exemplo, Santo Inácio de Loyola, que antes da Fundação da companhia de Jesus passou igualmente por um período de deserto na sua vida.

Por isso, não há dúvida nenhuma de Madre Teresa de Calcutá está ao nível desses grandes Santos e renovadores do Catolicismo. Também ela criou uma obra que revolucionou a forma da Igreja católica ver a ajuda aos mais necessitados. Não devemos tratar o pobre como alguém de fora, mas devemos descer ao nível do pobre, trata-lo como o nosso irmão, para o elevarmos a um nível acima.

Perante isto é normal que se debata com a duvida do papel de Deus na sua vida, pois se o próprio Filho de Deus na Cruz exclamou pelo abandono do Pai naquela hora de dor e entrega.

Madre Teresa, como demonstra a transcrição acima sabia que a obra não era sua, e por isso perguntava constantemente se estava a trabalhar para a gloria de Deus, como Ele lhe tinha pedido, ou se, pelo contrario estava a usar a obra de Deus para o seu próprio proveito e para a sua própria gloria humana.

publicado por Miguel Neto às 14:03
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2 comentários:
De Nuno (faro) a 6 de Setembro de 2007 às 14:25
Muito bom comentario quanto á Madre Teresa, mas o que mais me fascinou foi mesmo o facto de teres focado a "noite escura" pois, acho que todos nós cristaos passamos por ela mais cedo ou mais tarde e é, sem duvida, um tanto doloroso. Mas por experiencia propria digo-vos que se ultrupassarem isto, a recompensa é enorme!! Abraço e continua assim Miguel ;)
De Anónima a 15 de Fevereiro de 2009 às 23:47
De uma forma ou de outra, todo o cristão passa por momentos de escuridão, que nada vê e apenas se agarra ao que a Igreja de Cristo diz, mas pouco ou nada compreendendo... as verdades mais evidentes tornam-se obscuras e impenetráveis, a esperança de salvação inantingível, o que sobra? A fé no que não vê, em quem não ouve como dantes, a solidão perante todos os que a rodeiam, a sede infinita de Deus... No entanto, comparar as noites por que passamos a maioria de nós com a noite que passaram os grandes santos, como a Madre Teresa... pelo que li ela viveu esta noite até ao fim dos seus dias, tormento atroz. Mas agora vive com o Pai e vela por nós!

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